Você está aqui: Página Inicial > Contents > Notícias > Lei do Feminicídio exige vigilância constante da sociedade civil
conteúdo

Notícias

Lei do Feminicídio exige vigilância constante da sociedade civil

publicado: 23/11/2020 15h21, última modificação: 23/11/2020 15h21

No sertão da Paraíba, o assassinato de Pâmela Bessa, 27 anos, em setembro último, reacendeu a discussão sobre a investigação de feminicídios no estado. O esposo, acusado de espancá-la até a morte, foi conduzido à delegacia após o crime e liberado. Até o momento, ele continua sendo procurado pela polícia.

O caso de Pâmela é mais um no número cada vez maior de feminicídios no país. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020, houve um aumento de 1,9% no número de feminicídios registrados no primeiro semestre de 2020 em comparação com o mesmo período de 2019. No ano passado, foram registradas 1.326 vítimas desse crime.

Apesar do alto número do crime, esses podem não corresponder a todo o montante das ocorrências. A legislação brasileira prevê a tipificação do feminicídio (Lei 13.104/15 do Código Penal), porém a investigação da morte violenta de mulheres ainda perpassa os critérios de subjetividade dos agentes públicos.

Segundo a advogada e pós-graduanda em Direito Penal e Processo Penal na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Leonia Andrade, “a raiz do problema se encontra na atuação policial, pois são eles que elaboram o inquérito”. Para ela, a falta de treinamento e o machismo são fatores que interferem nesse enquadramento e prejudicam os encaminhamentos dos casos. 

Essa é uma posição defendida também pela policial militar e especialista em Segurança Pública, Nayhara Hellena que aponta que a formação dos agentes de segurança pública, em sua maioria homens, é deficitária no tratamento de grupos vulneráveis, como as mulheres. “Eles reproduzem padrões machistas que dificultam o acolhimento que deveria ser feito às vítimas e com isso dificultam as estratégias de prevenção à ocorrência do crime”, diz Nayhara.

Esforços da sociedade civil

A criação de protocolos para a investigação do feminicídio e o aperfeiçoamento das leis de combate à violência contra a mulher são resultados dos esforços da sociedade civil. É o que expõe a advogada e integrante do Centro da Mulher 8 de Março, Larina Lacerda. “Entender as políticas públicas faz parte do nosso trabalho já que nós lutamos para essas conquistas. Precisamos também cobrar do Estado a responsabilidade de manter as políticas e criar novas”, defende Larina.

Por essa razão, a advogada acredita que não basta apenas aumentar o registro de ocorrências, mas utilizar esses dados como instrumento para prevenção. “O Estado precisa se responsabilizar sobre esses dados para entender onde estão os maiores índices, onde pode trabalhar a prevenção, seja no âmbito da saúde, da educação ou da assistência social. Os números servem também como fonte de pesquisa para que se trabalhe a prevenção e consiga recursos”, explica Larina. 

Protocolos de investigação

“É necessário um olhar mais atento dos policiais, promotores e juízes às questões de gênero. O ideal é que haja treinamento de todos os profissionais da área para identificar os casos de feminicídio”, defende Leonia. “Os protocolos são importantes porque permitem um olhar mais atento dos profissionais”.

A criação de protocolos que mensurem a violência contra as mulheres auxilia na implementação de políticas públicas de prevenção, mas também garante o direito das vítimas de feminicídio à justiça, à verdade e à memória. Em março de 2017, a Entidade das Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e Empoderamento das Mulheres (ONU Mulheres) indicou um protocolo nacional para orientar sobre os processos e investigação de feminicídio.

Na Paraíba, o Decreto 38.828, de novembro de 2018, estabeleceu um Grupo de Trabalho Interinstitucional (GTI) para adaptar essas diretrizes nacionais ao contexto local. Esse grupo reúne os órgãos: Secretaria de Estado de Segurança e Defesa Social, Secretaria de Estado da Mulher e da Diversidade Humana, Tribunal de Justiça da Paraíba, Defensoria Pública da Paraíba, Ministério Público, Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, Universidade Federal da Paraíba e Movimento de Mulheres do Campo e da Cidade.

O GTI já realizou debates e estudos com instituições de movimentos que trabalham com a temática da violência contra a mulher para aprimorar o julgamento de casos de feminicídio no estado. Contudo, em virtude da pandemia, as atividades cessaram temporariamente e cabe aos órgãos elaborarem planos de atuação próprios com base nos estudos realizados.

Para a secretária do Estado da Mulher e da Diversidade HumanaLídia Moura, já existe uma mudança significativa uma vez que o primeiro olhar da Polícia Civil para uma morte violenta de mulher é tratar como suspeita de feminicído. “O GTI nos dá outra perspectiva de olhar para os crimes contra as mulheres na busca de uma solução e que protege primeiro a memória da vitima. Possibilita uma reparação e até um processo de investigação de maneira adequada para que possamos não estar criminalizando a vítima ou mesmo seus familiares”, explica.

 

Ana Lívia Macêdo | Edição: Lis Lemos