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Ao som dos tambores da Umbanda, UFPB concede título de Doutora Honoris Causa a Mãe Rita Preta de Oxalá

publicado: 03/02/2020 15h00, última modificação: 23/12/2024 17h27
De modo inédito, solenidade ocorreu no Templo de Umbanda Caboclo José de Andrade

Foto: Gustavo Ribeiro

“Rita Maria da Conceição, uma mulher preta, retinta, deveras centenária”, é como Pai Valdir Efun Lourenço e Lima de Santa Rita começa o seu discurso panegírico em homenagem a Mãe Rita Preta de Oxalá, sacerdotisa de Umbanda e Jurema, que na última sexta (20) recebeu, das mãos da Reitora Terezinha Domiciano, o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade Federal da Paraíba. “Três nomes de santas católicas, Rita, Maria, da Conceição, como era comum fazer com as pessoas escravizadas, vindas de África, depois de haver passado pela Árvore do Esquecimento, na Nigéria”, completa pai Valdir, que é também professor do Departamento de Ciência da Informação, do Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA).

Foto: Gustavo Ribeiro

A trajetória de Mãe Rita repete a de muitas mulheres pretas em nosso país e, particularmente, em nosso estado. Nascida em Pernambuco, neta de dona Lídia, a avó evangélica que cuidou dela (já que Mãe Rita perdeu os pais logo cedo), sua história remonta uma linhagem de rainhas e reis africanos que foram escravizados e trazidos para o Brasil. Ainda adolescente, a Cabocla Menina incorporou em Mãe Rita, fazendo com que a avó, por amor, deixasse a religião evangélica para ver a neta cumprir a sua missão. 

A importância histórica de Mãe Rita para as religiões afro-paraibanas começa desde cedo. No terreiro, ela ajudou a criar muitas meninas empobrecidas, sendo professora leiga de tantas mais. Como juremeira de mesa branca, chegou a Santa Rita numa época em que o bairro da Santa Cruz ainda se chamava bairro da Viração e, sem demora, se aproximou de Carlos Leal Rodrigues, que acabava de chegar do Rio de Janeiro, com o objetivo de criar uma Federação para lutar pela liberação dos cultos umbandistas na Paraíba. Juntos, participaram de eventos, congressos e campanhas, sempre defendendo os interesses das religiões afro-brasileiras e o seu direito de existir, mesmo diante das inúmeras adversidades que se impuseram no caminho.

Foto: Gustavo Ribeiro

O Templo de Umbanda Caboclo José de Andrade, onde ocorreu a solenidade, abriu as portas em 1966, saindo enfim da clandestinidade. De lá para cá, Mãe Rita se tornou uma referência de militância, caridade e acolhimento espiritual, tanto em Santa Rita, quanto no restante da Paraíba. A partir dos anos 1990, Mãe Rita se tornou tema de diversas dissertações de mestrado, teses de doutorado, artigos, pesquisas, filmes e projetos, cada qual à sua maneira tentando compreender a importância do seu legado e das suas ações para a Umbanda e a Jurema na Paraíba. 

Quase centenária - ou talvez mais que centenária, porque ela mesma se lembra do dia em que, já criança, foi fazer a sua certidão de nascimento -, Mãe Rita passou a solenidade sentada, numa cadeira de rodas, observando e agradecendo pela concessão do título. A sua figura mirrada, um tanto sofrida pela idade avançada, não esconde, no entanto, a força de seu olhar penetrante e a energia de sua voz escandecida. “São todos meus filhos”, ela diz, apontando para os que vieram comparecer à solenidade, “e eu peço todo dia a Jesus que livre eles de todo o mal”, conclui.

Presidida pela Reitora Terezinha Domiciano, a mesa contou ainda com a presença dos professores Lusival Antonio Barcellos, Carlos André de Macedo Cavalcanti e Dilaine Soares Sampaio, do Departamento de Ciências das Religiões, do Centro de Educação (CE), e do coordenador da Secretaria dos Órgãos Deliberativos da Administração Superior (SODS), Marcelo Sitcovsky. Seguindo os protocolos, a homenageada entrou no Templo acompanhada de Mãe Lúcia de Omidewá, Mãe Lúcia de Omideyim, Mãe Maria da Conceição Farias e Pai Valdir Efun Lourenço e Lima de Santa Rita. Em seguida, o coordenador da SODS, Marcelo Sitcovsky, leu a Resolução CONSUNI no. 18/2024, que concedeu o título de Doutora Honoris Causa à Sacerdotisa de Umbanda e Jurema, Mãe Rita Preta de Oxalá.

Foto: Gustavo Ribeiro

Em continuidade, os professores Carlos André e Dilaine Soares procederam ao ato de trasladação das Vestes Talares Doutorais, que simboliza a concessão do título. O momento foi repleto de emoção e simbolismo, pois se trata da primeira vez que uma mulher preta, sacerdotisa de umbanda e jurema, recebe tal homenagem da Universidade Federal da Paraíba. A emoção se estendeu aos discursos panegíricos, proferidos por cada um das mães e do pai de santo que acompanharam Mãe Rita na entrada da solenidade.

A saudação final da Reitora Terezinha deu a dimensão da importância dessa outorga de título de Doutora Honoris Causa. “Poucas pessoas possuem esse título, mas posso dizer que a honra, na verdade, é da Universidade Federal da Paraíba, por entregá-lo aqui, no Templo de Umbanda e Jurema, talvez na primeira vez que semelhante solenidade ocorre dessa forma”, afirmou. 

Foto: Gustavo Ribeiro

Em um dos momentos mais emocionantes, os presentes entoaram o Hino da Umbanda, como mais uma forma de homenagear e reverenciar aquela que, a partir de agora, agrega mais um título ao seu nome: Doutora Mãe Rita Preta de Oxalá. Segue abaixo o tradicional Hino da Umbanda:

 

Refletiu a luz divina

Com todo seu esplendor

vem do reino de Oxalá

Onde há paz e amor

 

Luz que refletiu na terra

Luz que refletiu no mar

Luz que veio de Aruanda

Para tudo iluminar

 

Umbanda é paz e amor

Um mundo cheio de luz

É a força que nos dá vida

e a grandeza nos conduz.

 

Avante filhos de fé,

Como a nossa lei não há...

Levando ao mundo inteiro

A Bandeira de Oxalá!

 

* * *

Texto: Marcel Vieira

Fotos: Gustavo Ribeiro

Ascom/UFPB